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Por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil procura oferecer de maneira universal e gratuita cuidados de saúde de qualidade para sua população. A expectativa é que ela ultrapasse a casa dos 250 milhões de pessoas até 2050, o que traz um grande desafio para a gestão na área de saúde.
A estimativa é que, ao nascer, a expectativa de vida do brasileiro alcance os 81 anos de idade. Hoje, pelo menos 145 milhões de pessoas já dependem exclusivamente dos serviços oferecidos pelo SUS.
A demanda por serviços privados de planos de saúde também tende a aumentar, bem como a concorrência com a entrada de players estrangeiros.
Se na indústria melhorar processos é necessário para reduzir custos e se manter competitivo, na área da saúde o desafio é ainda maior: também salvar vidas! Nessa conjuntura, os conceitos do Lean Healthcare são essenciais para melhorar a assistência de saúde e diminuir gastos e desperdícios no sistema brasileiro.
O que é o Lean Healthcare?
O conceito de Lean vem da indústria automobilística japonesa, mais precisamente da gigante Toyota. Passando por uma crise de muitos gastos na década de 1950, os fabricantes japoneses perceberam que era necessário encontrar um caminho de menores despesas, principalmente levando-se em consideração os custos da Segunda Guerra Mundial.
Com o objetivo de alcançar o mesmo nível de excelência das indústrias norte-americanas, os japoneses começaram, então, um longo período de aperfeiçoamento de seus processos de produção. Assim nasceu a filosofia Lean, que pode ser definida como um sistema de gestão que projeta o aumento da produtividade por meio da eliminação de diversos desperdícios.
A cultura Lean se baseia em alguns princípios:
- Determinação do conceito de VALOR sob a ótica do cliente (ex: atividades relacionadas ao atendimento do paciente, como consulta ou exame).
- identificação do fluxo desse valor para cada produto/serviço e eliminação dos DESPERDÍCIOS (desperdício é tudo aquilo que não agrega valor como, por exemplo, aguardar pela consulta, aguardar a liberação do centro cirúrgico);
- implantação do FLUXO CONTÍNUO (ex: idealmente os pacientes só deveriam parar em atividades que agregam valor – aquelas relacionadas com o seu atendimento);
- gerenciamento em busca da perfeição (sempre buscar por melhorias, pois essas oportunidades sempre existem).
A adoção dessa estratégia fez com que as organizações japonesas se tornassem líderes em seus setores, estando sempre à frente em excelência e maximização de produtividade. Partindo desse preceitos, ela foi introduzida em uma série de empresas, indústrias e outros tipos de organização e, aos poucos, o Lean passou a ser pensado também como uma estratégia de gestão de processos em áreas não industriais.
Assim, em 2002 surgiu o Lean Healthcare. Essa nova vertente da filosofia tem como objetivo a aplicação das ferramentas originais em setores de saúde, como hospitais, centros cirúrgicos, clínicas e em toda a burocracia hospitalar, envolvendo até mesmo laboratórios, estoque e as funções dos próprios funcionários.
A aplicação dos preceitos do Lean à área da saúde parte do entendimento desse serviço como um produto, assim como acontece na indústria automobilística. Sob essa ótica, é possível compreender o processo de oferta do serviço como um fluxo produtivo, a fim de combater os desperdícios e reduzir os custos de operação.
Para ficar mais claro, pense em um estabelecimento de saúde (seja ele público ou privado) como uma fábrica de peças. Assim como as peças, o paciente do hospital deverá passar por uma série de etapas ou processos, como a entrada na recepção, o preenchimento de fichas e a apresentação do plano de saúde, a triagem, a consulta médica, os exames, a internação e por fim a alta hospitalar.
Cada uma das etapas está sujeita a desperdícios (inclusive muitas delas são!), da mesma maneira como ocorre nas indústrias — superprodução, defeitos, processamento inapropriado, transporte excessivo e atrasos. Porém, em um hospital esses problemas se manifestam com determinadas especificidades:
- superprodução: monitoramento excessivo de pacientes de pouca urgência ou catalogação de medicamentos prevendo uso futuro;
- estoque: estoque excessivo de medicamentos ou equipe excessivamente alta para a demanda;
- defeitos: realização inadequada de exames; administração errada de medicamentos ou encaminhamento equivocado de pacientes;
- processamento inapropriado: testes e exames desnecessários, utilização de medicação mais forte que o necessário, entre outros;
- transporte e movimentação excessivo: arranjo físico da estrutura do hospital realizado de maneira equivocada, resultando num grande trajeto a ser percorrido com pacientes, medicamentos, médicos e equipe;
- esperas: demora no atendimento a pacientes de entrada, atrasos de resultados de exames, demora na alta de pacientes, etc.
Com a aplicação dos preceitos do Lean Seis Sigma à área da saúde, o Lean Healthcare se propõe a otimizar o atendimento por meio da identificação e da eliminação desse tipo de desperdício, trazendo uma maior produtividade ao setor.
Se você quiser conhecer mais sobre o Lean Seis Sigma leia o guia super completo Conheça o Seis Sigma.
Como implantar o sistema em clínicas e hospitais?
Dentro da filosofia Lean de produção, existem algumas ferramentas que podem ajudar a otimizar a produtividade. A seguir, vamos explicar mais a fundo 4 que podem ser aplicados à área da saúde:
Kaizen
Em japonês, Kaizen quer dizer melhoria contínua. Ou seja: esse método se volta para a realização de pequenas melhorias em busca da eliminação dos desperdícios no longo prazo.
Ele também envolve o chamado Evento Kaizen: normalmente com a duração de 5 dias, esse é um evento em grupo cujo objetivo é permitir a uma equipe identificar e implementar melhorias em um determinado processo.
5S
O 5S diz respeito a 5 termos japoneses começados com a letra S que descrevem boas práticas para um ambiente de trabalho. Eles são muito úteis para a gestão visual dos processos Lean. Os 5 termos são:
- Seiri (senso de utilização): descartar aquilo que não for necessário;
- Seiton (senso de organização): organizar sobras e materiais;
- Seiso (senso de limpeza);
- Seiketsu (senso de padronização): resultado da boa aplicação dos 3 preceitos iniciais;
- Shitsuke (senso de autodisciplina): ter a disciplina necessária para manter a aplicação dos outros preceitos.
A ideia desse conceito, então, é organizar o ambiente de trabalho para evitar desperdícios como espera ou demora para encontrar medicamentos ou documentos, por exemplo.
Flowracks
Flowracks são, literalmente, prateleiras organizadas para a melhoria do fluxo de utilização. No ambiente de saúde isso se torna particularmente útil, uma vez que pode ser aplicado em setores como farmácias internas e até mesmo os carrinhos de medicamentos.
Um exemplo simples de organização baseada nessa metodologia é colocar os materiais mais usados nas prateleiras de fácil alcance, normalmente aquelas na altura dos olhos. Já os materiais e medicamentos menos usados podem ser inseridos nas prateleiras ou gavetas mais altas ou mais baixas. Isso facilita tanto a retirada dos itens quanto a sua reposição.
O conceito de flowrack pode ser ainda melhor aproveitado nos carrinhos de medicamento, que podem incluir um pequeno ângulo de inclinação para facilitar ainda mais a retirada dos medicamentos. Já para os carrinhos de emergência ou “crashcarts” (aqueles presentes em alas de maior urgência que contêm desfibriladores e medicamentos), a organização é ainda mais imprescindível para o atendimento aos pacientes, podendo inclusive salvar vidas.
Kanban
Kanban é uma técnica de organização de tarefas muito aplicada em diversas áreas. O termo japonês significa “certão” e a técnica é muito útil para a sinalização dos processos.
No ambiente de saúde, cada tarefa pode ser organizada em um cartão, que vai autorizar processos, movimentações e quantidades. Em hospitais, o uso do sistema Kanban é particularmente útil na organização de estoques de materiais e medicamentos. Para buscar a redução de desperdícios de superprodução e estoque, por exemplo, utilizar cartões Kanban para organizar pedidos e demandas é uma atitude que, rapidamente, vai reduzir custos correlatos.
Assim, um cartão Kanban pode conter informações como nome do medicamento, quantidade requisitada, setor de encaminhamento, entre outros. Além disso, é possível organizar esses cartões em um quadro de produção, no qual as tarefas podem ser divididas em “em espera”, “em andamento” e “realizadas”.
A ideia no Kanban de atividades e organização a sua execução e garantir que uma nova atividade é aberta somente quando a que esta sendo realizada é terminada. Essa técnica garante um aumento da produtividade da equipe e, consequentemente, tem um impacto muito importante para os resultados da organização.
Para cada caso ainda é possível incluir uma organização secundária de prioridades e prazos, com cores, tamanhos e posicionamento dos cartões. Por ser um sistema simples de fluxo de tarefas, o Kanban permite uma grande personalização, sempre em busca de um aprimoramento contínuo.
Que métricas devem ser acompanhadas?
Em qualquer organização, ter um acompanhamento dos resultados e métricas é essencial para poder medir o nível de produtividade alcançado. Assim, introduzir um sistema de avaliação na gestão hospitalar por meio de indicadores pode trazer grandes possibilidades, como:
- mensuração dos resultados e gestão de desempenho;
- contribuição para a melhoria contínua;
- avaliações de desempenho que contribuam para sistemas de incentivo;
- redução dos custos;
- controle do desempenho individual e coletivo;
- análise crítica embasada para o processo de tomada de decisões;
- facilidade na comparação com instituições concorrentes.
Na gestão hospitalar, é possível basear esses dados a partir de alguns indicadores, sejam eles operacionais, clínicos ou financeiros. Vamos conhecer alguns deles a seguir:
Indicadores operacionais
- Taxa de ocupação hospitalar: mensuração do trânsito de pacientes em um determinado período de tempo;
- Tempo médio de permanência;
- Taxa de satisfação dos pacientes: é a referência externa do controle de qualidade por meio de um sistema de sugestões e avaliação por parte dos pacientes;
- Eficiência administrativa: avaliação dos custos dos processos administrativos e do valor que eles agregam à organização.
Indicadores clínicos
- Índices de infecção hospitalar: comparação entre os casos de infecção versus o número de altas em um determinado período de tempo;
- Taxa de mortalidade hospitalar;
- Taxa de readmissão por insuficiência cardíaca: análise da quantidade de pacientes de segunda internação em decorrência de problemas de insuficiência.
Indicadores financeiros
- Retorno Sobre Investimento (ROI): principal índice para qualquer organização, o ROI corresponde ao lucro gerado sobre cada investimento feito;
- Margem operacional: é a relação entre o lucro e a receita líquida do hospital, importante para diagnosticar a rentabilidade da instituição;
- Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization (EBITDA): esse indicador corresponde aos lucros calculados antes do levantamento de juros, impostos e valores de depreciação e amortização de dívidas e dividendos. É o lucro mais claro de ser calculado, levando em consideração apenas o negócio em si.
Quem já implantou o Lean Healthcare?
No Brasil, o Lean Healthcare vem sendo implantado em diversas instituições de saúde. O Prof. Dr. Ademir Petenate (Head de Melhoria de Processos em Saúde da EDTI), em parceria com o Institute for Healthcare Improvement (importante organização com foco na melhoria da qualidade na área da saúde), tem realizado um trabalho pioneiro em diversas organizações brasileiras como UNIMED, Hospital Santa Catarina e Albert Einstein.
Alguns projetos realizados incluem a redução do tempo de espera para salas cirúrgicas ou a redução do percentual de partos cesária. Também já participou da formação de especialista em melhoria de processos em outros países da America Latina, como o Peru, utilizando o Modelo de Melhoria.
Em São Paulo, o Hospital São Camilo-Pompeia é outro exemplo de adoção dos conceitos Lean Healthcare. Primeiramente inserido no setor de pronto socorro em abril de 2015, o hospital almeja ser um dos melhores prontos-socorros de São Paulo e do Brasil. Com um fluxo de 20 mil pacientes por mês, o mapeamento das atividades e desperdícios fez com que o hospital saltasse de uma taxa de atendimento em até 10 minutos de 32% para impressionantes 90%.
Não apenas instituições privadas estão adotando as práticas do Lean Healthcare, mas também hospitais públicos e universitários. Em Erechim, no Rio Grande do Sul, foi construído no ano de 2006 o Centro de Estágios e Práticas Profissionais (URICEPP) da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI).
O URICEPP tem como objetivo proporcionar aos universitários de diversos cursos a prática de atendimento ao público. Focando na área de saúde, essa unidade atende principalmente os alunos de Nutrição, Farmácia, Psicologia, Medicina, Odontologia, Fisioterapia, entre outros.
Nesse centro experimental, várias práticas Lean são aplicadas, em busca da redução dos custos e desperdícios presentes no ambiente hospitalar. Além disso, objetivam adaptar os alunos às boas práticas institucionais, preparando-os ainda mais para o mercado.
Conclusão
É impossível negar a ineficiência dos processos de produção e serviços em diversas áreas. No setor de saúde, seja ele público ou privado, a situação é ainda mais séria, pois envolve o trato com a vida de pacientes.
Dessa forma, a aplicação do Lean Seis Sigma em seu modelo Lean Healthcare surge como uma nova possibilidade de organização para as instituições de saúde. A redução de custos e desperdícios e o consequente aumento da produtividade são resultados mais do que bem-vindos para o setor, que sofre com burocracias e atrasos em excesso.
Aplicar o Lean Healthcare nas instituições de saúde é uma via dupla de benefícios, na qual os pacientes serão melhor atendidos e o hospital vai lucrar mais, com menos custos operacionais. Bons exemplos não faltam e a expectativa é que essa filosofia se torne cada vez mais conhecida, se espalhando por outras instituições no país.
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